Importância da Psicologia

Importância da Psicologia Clínica nos Cuidados Multidisciplinares em Displasias Ósseas

As displasias ósseas são um grupo muito diverso de mais de 700 tipos distintos de condições genéticas raras, que originam alterações significativas no desenvolvimento do esqueleto e cuja característica mais visível, tipicamente, é a baixa ou extrema baixa estatura (proporcionada ou desproporcionada). Para além da restrição do crescimento, são experiências comuns as deformações ósseas, as restrições na mobilidade e a dor, que tendem a agravar-se com o envelhecimento, podendo requerer tratamento cirúrgico, ao longo do desenvolvimento da pessoa.

As pessoas com displasia óssea podem ter de enfrentar complicações médicas – musculares, ortopédicas, respiratórias, neurológicas e imunológicas, por exemplo – que requerem um acompanhamento clínico multidisciplinar de grande proximidade, ao longo de toda a sua vida. Adicionalmente, as pessoas com displasia óssea enfrentam desafios no seu dia-a-dia que resultam da falta de adaptações e acessibilidades (aceder a uma caixa multibanco, entrar num autocarro, conduzir o seu próprio carro) e que condicionam a sua autonomia.

Na esfera social, pela sua raridade e evidente distinção física, as displasias ósseas evocam, frequentemente, curiosidade e surpresa. Não é invulgar as pessoas com displasia óssea relatarem experiências de atenção indesejada, abuso verbal e físico, insegurança em público, ridicularização e discriminação, em diversos contextos sociais1.

A focalização exclusiva nos aspectos biomédicos da doença pode levar as equipas clínicas a atribuírem menor pertinência às necessidades psicológicas destes pacientes e às das suas famílias. Porém, o paradigma biopsicossocial, abordagem que se tornou universalmente subscrita e adoptada pela Organização Mundial de Saúde, impõe uma reflexão e intervenção sobre a saúde que inclui reconhecer que aspectos biológicos, psicológicos e sociais interagem de forma interdependente para a manter ou prejudicar. Deste modo, os factores psicológicos e emocionais não podem ficar de fora do âmbito dos cuidados de saúde.

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As displasias ósseas evocam, frequentemente, curiosidade. As pessoas com displasia vivem experiências de atenção indesejada, abuso verbal e físico, insegurança em público, ridicularização e discriminação, em diversos contextos sociais.

No contexto particular das displasias ósseas, há vivências típicas e comuns que podem colocar crianças e adolescentes em risco, ou com necessidade de atender às suas necessidades psicológicas, como forma de prevenção de psicopatologia ou experiências mais adversas do ponto de vista psicológico e emocional. Nomeadamente:

As displasias ósseas são doenças crónicas

A doença crónica é um potencial stressor que exige da criança e da família respostas a situações que ameaçam o seu equilíbrio e que desafiam quer as suas competências quer a sua capacidade para lidar com a frustração e o sofrimento2.

A maioria das crianças e adolescentes com condições de saúde crónicas têm a sua qualidade de vida prejudicada e estão em risco de desenvolver problemas de internalização e externalização. No caso particular das crianças com baixa estatura, há evidências que sugerem que estas estão em maior risco de desenvolver problemas de internalização3.

Lidar com os desafios sociais de ter uma condição física visivelmente distinta

As pessoas com características físicas visivelmente diferentes da norma são, frequentemente, alvo de curiosidade. A baixa (ou extrema baixa) estatura associada às displasias ósseas é uma característica física muito evidente, imediatamente identificável e que atrai a atenção e o interesse dos outros. Apesar de indesejada, essa atenção é inescapável1. Por essa razão, é importante ajudar as crianças com displasia óssea a sentirem-se preparadas, desde cedo, para lidar com as questões, os olhares e os comentários das outras pessoas. Os pais e os profissionais que interagem com a criança no seu dia-a-dia têm um papel muito importante nessa tarefa.

Também na adolescência estes temas ganham destaque. A adolescência é uma fase de grandes mudanças durante a qual as principais tarefas serão desenvolver a autonomia e construir uma identidade individual. À medida que alterações físicas, cognitivas, emocionais e sociais importantes vão ocorrendo, os adolescentes vão ganhando mais consciência sobre si mesmos, sobre as suas diferenças e também sobre a forma como são vistos pelos outros.

Simultaneamente, vão procurar tornar-se mais independentes dos pais e envolver-se mais profundamente com o mundo e os outros à sua volta, especialmente com as pessoas da mesma idade e com os mesmos interesses, cuja opinião passa a ser extremamente importante. O desejo de se ser aceite e visto como um igual, e de poder ter acesso às mesmas experiências e oportunidades sociais que os outros adolescentes, é intenso.

Se, por um lado, os adolescentes com displasia óssea vão procurar afirmar-se como jovens iguais aos outros — com os mesmos interesses, desejos e anseios —, por outro, terão pela frente a tarefa de encontrar dentro da sua identidade um lugar positivo para a sua diferença física4. Nesse processo, poderão encontrar dificuldades em aceitarem-se a si mesmos, a sua altura, o seu corpo e as consequências de se ser diferente fisicamente5.

Neste período, os stressores experienciados pela maioria dos seus pares podem ser exacerbados pela condição física destes adolescentes, bem como por novas barreiras sociais6.

O psicólogo no contexto multidisciplinar da equipa clínica e hospitalar responsável pelas displasias ósseas pode atuar no contexto de diagnóstico e avaliação, na intervenção e tratamento, e de consultoria aos outros profissionais que integram a equipa7. Pode também atuar, nomeadamente, através do aconselhamento antecipatório, que consiste na disponibilização de informação às famílias sobre o que devem esperar relativamente à saúde e ao desenvolvimento das crianças e o que podem fazer para os promover.

Conclusão

Apesar de as displasias ósseas estarem associadas a complicações multissistémicas ao longo da vida, muitos pacientes são capazes de se adaptar funcional e psicologicamente. Porém, reconhecendo que existem diversos factores que colocam estes pacientes em risco, quanto mais facilitado estiver o acesso a apoio psicológico, mais se acredita que possa haver benefícios.

Reconhecer os desafios, bem como os factores de risco e de protecção da saúde destes pacientes, pode levar a que os clínicos que os acompanham saibam identificar necessidades de acompanhamento psicológico, de forma a promover uma maior resiliência e a prevenir o aparecimento de psicopatologia.

Factores de risco e de resistência explicam o bom ajustamento psicológico das crianças com baixa-estatura à sua condição física. Os principais facores de risco incluem a satisfação da criança com a sua altura, a etiologia da sua baixa-estatura, a tendência que as pessoas no ambiente da criança têm para a tratar como se ela fosse mais nova do que é e o stress psicossocial relacionado com ser vítima de gozo. Factores de resistência importantes incluem o temperamento da criança, o suporte familiar e as estratégias de coping8.

Factores de Risco:

  • A satisfação da criança com a sua altura
  • A etiologia da sua baixa estatura
  • A tendência que as pessoas no ambiente da criança têm para a tratar como se fosse mais nova do que é
  • O stress psicossocial relacionado com ser vítima de gozo

 

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Um psicólogo pode intervir em diferentes domínios.

Um psicólogo pode intervir em diferentes destes domínios, contribuindo, por exemplo, para a criança e os pais ressignificarem a sua condição de saúde, para apoiar os pais a lidarem com tarefas como comunicar com os profissionais de saúde, a tomarem decisões em relação a questões de saúde da criança, a compreenderem e a aceitarem a condição clínica da criança e, em determinados casos, a aprenderem a lidar com processos de tratamento, mantendo a possível estabilidade familiar e emocional.

Adicionalmente, e de uma forma geral, as crianças com baixa estatura e os seus pais consideram os aspetos sócioemocionais como os mais importantes na sua adaptação à sua condição de saúde, de modo que as intervenções para melhorar a qualidade de vida relacionadas com a saúde devem ter como alvo estes tópicos sociais e emocionais9. O psicólogo clínico pode dar um contributo muito valioso no acompanhamento desses aspectos.

Autoria e Bibliografia

Autoria:

Lia Silva, Psicóloga Clínica e Sócia Fundadora da ANDO Portugal
Lisboa, 1 de Agosto de 2022.

Bibliografia:

  • 1. Shakespeare, T., Thompson, S., & Wright, M. (2010). No laughing matter: medical and social experiences of restricted growth. Scandinavian Journal of Disability Research, 12(1), 19-31
  • 2. Santos, M. C. & Barros, L. (2015) Intervenção com Pais de Crianças com Doença Crónica. In Pereira, A., Goes, A. & Barros, L. (2015). Promoção da Parentalidade Positiva: Intervenções Psicológicas com Pais de Crianças e Adolescentes. Lisboa: Coisas de Ler
  • 3. Quitmann, J., Bullinger M., Sommer, R., Rohenkohl, A., Bernardino Da Silva, N. (2016) Associations between Psychological Problems and Quality of Life in Pediatric Short Stature from Patients' and Parents' Perspectives. PLoS ONE 11 (4): e0153953
  • 4. Kriegsman, K. H., & Palmer, S. (2013). Just one of the kids. Baltimore: Johns Hopkins University Press
  • 5. Adelson, B. M. (2005). Dwarfism: medical and psychosocial aspects of profound short stature. Baltimore: Johns Hopkins University Press
  • 6. Thompson, S., Shakespeare, T. & Wright, M. (2008). Medical and social aspects of the life course for adults with a skeletal dysplasia: A review of current knowledge. Disability and Rehabilitation, 30(1), 1-12
  • 7. Wahass, S. (2005). The role of psychologists in health care delivery. Journal of Family & Community Medicine, 12(2): 63-70
  • 8. Erling, A. (2004). Why do some children of short stature develop psychologically well while others have problems?. European Journal of Endocrinology, 151, 35-39
  • 9. Sommer R., Bullinger M., Chaplin J., et al. (2017). Experiencing health‐related quality of life in paediatric short stature – a cross‐cultural analysis of statements from patients and parents. Clinical Psychology & Psychotherapy, 24(6), 1370–1376

 

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